FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO - Introdução à Linguística: domínios e fronteiras - VOLUME 1 (MUSSALIM; BENTES, 2012)
MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Vol. 1. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012.
FICHAMENTO BIBLIOGRÁFICO
CAPÍTULO I: Sociolinguística (parte 1)
ALKMIM, Tânia Maria. Sociolinguística. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012, p. 23-50.
Século XIX – Orientação biologizante
Augusto Schleicher (linguista alemão e estudioso das ciências naturais) – “Para o referido linguista, o desenvolvimento da linguagem era comparável ao de uma planta que nasce, cresce e morre segundo leis físicas. A linguagem é vista como um organismo natural ao qual se aplica, portanto, o conceito de evolução, desenvolvido por Darwin”. (p. 24)
“Cada língua é o produto da ação de um complexo de substâncias naturais no cérebro e no aparelho fonador. Schleicher associou a língua à raça de maneira indissolúvel. Advogou que a língua é o critério mais adequado para se proceder à classificação racial da humanidade”. (p. 24-25)
“A impressão de Schleicher afastou toda consideração de ordem social e cultural no trato do fenômeno linguístico”. (p. 25)
Século XX – Tradição estruturalista
Ferdinand de Saussure (linguista e filósofo suíço) – Curso de linguística geral (1916): define a língua em oposição à fala, como o objeto central da Linguística. A língua é o sistema invariante que pode ser abstraído das múltiplas variações observáveis da fala. Da fala, se ocupará a estilística, ou, mais amplamente, a Linguística Externa. A Linguística, propriamente dita, terá como tarefa descrever o sistema formal, a língua. Abordagem imanente da língua. (p. 25)
Para Saussure, a língua é um fato social, no sentido de que é um sistema convencional adquirido pelos indivíduos no convívio social. A linguagem é a faculdade natural que permite ao homem constituir uma língua. A língua se caracteriza por ser “um produto social da faculdade da linguagem”. (p. 25)
Saussure privilegia o caráter formal e estrutural do fenômeno linguístico, embora reconheça a importância de considerações de natureza etnológica, histórica e política.
Linguística Interna (orientações formais) x Linguística Externa (orientações contextuais)
Língua, cultura e sociedade foram relacionadas na reflexão de vários autores do século XX. Integrados ou não à grande corrente estruturalista, que ocupou o centro da cena teórica, particularmente, a partir dos anos 1930, encontramos linguistas cujas obras são referências obrigatórias, quando se trata de pensar a questão do social no campo dos estudos linguísticos.
No contexto europeu: Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin, Marcel Cohen, Émile Benveniste e Roman Jakobson.
Meillet (linguista francês), aluno de Saussure, filia-se a orientação diacrônica dos estudos linguísticos. Em 1906 (aula inaugural no Colège de France) ele afirma que: a linguagem é, eminentemente, um fato social. A realidade de uma língua é, ao mesmo tempo, linguística e social.
Bakhtin (1929 – russo e filósofo da linguagem), com sua crítica radical à postura saussuriana, traz para o centro da cena dos estudos linguísticos a noção de comunicação social.
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.
Jakobson (1960 – linguista russo), de uma perspectiva diferente da de Bakhtin, também toma a noção de comunicação como tendo um papel central. Para ele, o princípio da homogeneidade do código linguístico (Saussure), e adotado pela Linguística, “não passa de uma ficção desconcertante”, já que todo indivíduo participa de diferentes comunidades linguísticas e todo código linguístico é “multiforme e compreende uma hierarquia de subcódigos diversos, livremente escolhidos pelo sujeito falante”, segundo a função da mensagem, do interlocutor ao qual se dirige e da relação existente entre os falantes envolvidos na situação comunicativa. Privilegia o processo comunicativo e os aspectos funcionais da linguagem.
Em “Linguística e poética”, Jakobson identifica os fatores constitutivos de todo ato de comunicação verbal: o remetente, a mensagem, o destinatário, o contexto, o canal e o código. Cada um desses fatores determina uma função da linguagem. Então, a estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante.
Cohen (1956 – linguista francês) – Os fenômenos linguísticos se realizam no contexto variável dos acontecimentos sociais. Assumindo o postulado saussuriano de que é preciso separar aspectos internos e aspectos externos no estudo das línguas, assume também a questão das relações entre linguagem e sociedade a partir da consideração de fatores externos. Divisões sociais e variedades da linguagem.
Benveniste (1963 – linguista francês) – sua reflexão marcou profundamente a Linguística francesa contemporânea em geral e, particularmente, o campo da Análise do Discurso. “É dentro da, e pela língua, que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente”, dado que ambos só ganham existência pela língua. A língua é a manifestação concreta da faculdade humana da linguagem, isto é, a faculdade humana de simbolizar. É pelo exercício da linguagem, pela utilização da língua, que o homem constrói sua relação com a natureza e com os outros homens. “A linguagem sempre se realiza dentro de uma língua, de uma estrutura linguística definida e particular, inseparável de uma sociedade definida e particular”. Portanto, língua e sociedade não podem ser concebidas uma sem a outra.
Mesmo sendo grandezas de ordem distinta e se organizando em unidades distintas, para Benveniste (1968), há algumas propriedades que aproximam língua e sociedade: são realidades inconscientes, representam a natureza, são sempre herdadas e não podem ser abolidas pela vontade dos homens. A língua, no entanto, está em um plano especial, por seu poder coercitivo, que transforma um agregado de indivíduos em uma comunidade. A língua como instrumento de análise da sociedade.
A língua permite que o homem se situe na natureza e na sociedade.
A questão da relação é óbvia e complexa ao mesmo tempo. Não há consenso sobre o modo de tratar e de explicitar a questão da relação entre linguagem e sociedade: isso constitui um dos grandes “divisores de águas” no campo da reflexão Linguística contemporânea.
Sociolinguística
Fixou-se em 1964, na Universidade da Califórnia, em um congresso organizado por William Bright.
Estudiosos envolvidos: John Gumperz, Einar Haugen, William Labov, Dell Hymes, John Fisher, José Pedro Rona.
Os trabalhos foram publicados em 1966 sob o título de Sociolinguistics.
Para Bright, a sociolinguística deve demonstrar a covariação sistemática das variações linguística e social. Ou seja, relacionar as variações linguísticas observáveis em uma comunidade às diferenciações existentes na estrutura social desta mesma sociedade. Seu objeto de estudo é a diversidade linguística, que está relacionada com: identidade social do emissor ou falante; identidade social do receptor ou ouvinte; contexto social; julgamento social distinto que os falantes fazem do próprio comportamento linguístico e sobre o dos outros, isto é, as atitudes linguísticas.
1962 – Hymes: Etnografia da comunicação
1963 – Labov: relaciona fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude
1964 – Labov: Sociolinguística Variacionista ou Teoria da Variação
O ponto de partida dos estudos sociolinguísticos é a comunidade linguística. Toda comunidade se caracteriza pelo emprego de diferentes modos de falar. Variedades linguísticas. Qualquer língua é representada por um conjunto de variedades. Qualidade constitutiva do fenômeno linguístico.
A sociolinguística tem caráter interdisciplinar e se envolve com alguns campos das ciências humanas, como a Antropologia e a Sociologia.
CAPÍTULO I: Sociolinguística (parte 2)
CAMACHO, Roberto Gomes. Sociolinguística. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012, p. 51-83.
O cenário do nascimento da sociolinguística era o das postulações de Chomsky (1957), que enquadravam o sistema linguístico na moldura do conhecimento intuitivo do falante-ouvinte.
Algumas áreas da sociolinguística:
Sociologia da Linguagem (Joshua Fishman, 1971)
Etnografia da Comunicação (Hymes, 1974)
Sociolinguística Variacionista (Labov, 1964)
Se, por um lado, a heterogeneidade é propriedade constitutiva da linguagem, por outro, não é o resultado aleatório de procedimentos arbitrários, mas de restrições impostas pelo próprio sistema linguístico.
Toda mudança é o resultado de algum processo de variação, em que ainda coexistam a substituta e a substituída, embora o inverso não seja verdadeiro, isto é, nem todo processo de variação resulta necessariamente numa mudança diacrônica, caso em que a variação é estável e funciona como indicador de diferenças sociais.
A variedade empregada para o estabelecimento de uma norma padrão nas gramáticas normativas vigentes é extraída de textos escritos e literários, não raramente do passado.
A variação consiste numa espécie de caos organizado.
As teorias estruturalista e gerativista desenvolvem um sentimento de aversão ao caos, à variação, por associarem rigorosamente a estrutura linguística à homogeneidade.
Análise abstrata. Linguistas que sempre preferiram trabalhar com seus próprios conhecimentos das regras de funcionamento da linguagem.
Formalismo x Funcionalismo
Modelo da diferença verbal e Modelo da deficiência verbal (Wolfram e Fasold, 1974)
A variedade linguística de uma comunidade é fator de identificação social de seus membros.
CAPÍTULO II: Linguística histórica
GABAS JR, Nilson. Linguística histórica. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012, p. 85-112.
Final do século XVIII
Sir William Jones (juiz inglês na Índia), propôs que o Latim, o Grego e o Sânscrito eram línguas aparentadas entre si e que as três eram derivadas do protoindo-europeu. Era o começo de estudos sistemáticos em Linguística Histórica e Comparativa, que, graças à farta quantidade de registros históricos, se concentraram nas línguas indo-europeias.
Mudanças fonológicas e de sons:
Lei de Grimm
Lei de Verner
Grupo da Universidade de Leipzig, na Alemanha, neogramáticos eram contra os métodos vigentes da comparação linguística, pelo fato de que os estudos comparatistas basearem-se em dados da língua escrita e não da língua falada.
Seus métodos nortearam os trabalhos em linguística comparativa até meados do século XX.
Wang (1969), propõe a “teoria da difusão lexical”.
Neogramáticos x Defensores da difusão lexical
Som e palavra, de um lado, e gradual e abrupto, de outro.
Para os neogramáticos a mudança fonológica é foneticamente gradual, mas lexicalmente abrupta; para os “difusionista”, a mudança fonológica é, ao contrário, foneticamente abrupta, mas lexicalmente gradual.
Os estudos comparativos com as línguas indo-europeias, nos séculos XVIII e XIX, contribuíram de maneira fundamental para o nascimento e progresso da Linguística Histórica e para o próprio estabelecimento da Linguística como ciência.
MUDANÇA LINGUÍSTICA
Toda língua falada no mundo está em constante processo de mudança.
As mudanças são lentas e graduais;
Elas são parciais, envolvendo apenas partes do sistema linguístico e não o seu todo;
Elas sofrem influência de uma força oposta, a força de preservação da intercompreensão.
Mudança de som
Visto que é antieconômico para os falantes de uma língua terem duas variantes de uma mesma palavra, a tendência é que apenas uma delas sobreviva. As mudanças de som são classificadas de acordo com o tipo de processo envolvido.
Perda ou adição de fonemas
Um fonema é perdido ou ganho como resultado da mudança.
Assimilação
Um som condiciona a ocorrência de outro som, tanto no ponto ou modo de articulação, quanto no vozeamento. Podendo ser: regressiva, progressiva e de enfraquecimento.
Dissimilação
Um de dois sons similares se modifica para ampliar ainda mais a diferença entre eles.
Duração (ou prolongamento)
Quando a primeira consoante de uma sílaba pesada do tipo VCC cai. Para compensar, então, o peso da sílaba, a vogal que a precede se prolonga.
Metátese
Inversão de posição de dois sons adjacentes, envolvendo comumente uma consoante líquida e uma vogal.
Analogia
Processo pelo qual uma forma se torna mais parecida com outra forma com a qual ela é de alguma maneira associada.
Mudança gramatical
Mudança no sistema gramatical de uma dada língua, seja no âmbito morfológico, seja no sintático.
Mudança semântica
Mudanças do significado das palavras (ou vocabulário) de uma língua.
Processo de aparecimento ou neologismo
Quando um novo item é inserido no léxico de uma língua, por mecanismos internos ou externos.
Obsolescência
Quando um item lexical cessa de existir em uma dada comunidade linguística graças, principalmente, à sua baixa frequência de uso.
Contato semântico
Quando um item lexical existente adquire um outro significado a partir de um contexto específico.
Isolamento de formas
Quando um item particular de um grupo relacionado de formas (paradigma) se distancia do resto e assume um significado distinto.
Deslocamento semântico
Quatro tipos distintos: extensão (o sentido de um item lexical aumenta em número com o passar do tempo), estreitamento (processo inverso da extensão), uso figurativo (uso figurativo da linguagem) e desvio (um item lexical continua a existir, apesar de seu significado mudar, se desviar, sem grandes mudanças no seu campo semântico original).
RECONSTRUÇÃO LINGUÍSTICA
Uma vez determinado o parentesco genético entre duas ou mais línguas, o passo seguinte é o da reconstrução da língua-mãe.
Para reconstruir uma língua-mãe a partir de seus descendentes, o método utilizado é o método comparativo, que envolve o estabelecimento de correspondências de elementos fonéticos e fonológicos entre palavras cognatas nas línguas envolvidas e a projeção desses elementos no passado, propondo um ancestral cujo desenvolvimento pode ser demonstrado como fonte do que existe no presente.
No trabalho “real” de reconstrução fonológica, são coletados, comparados e analisados cerca 400 a 500 itens lexicais.
A família tupi-guarani é a maior família do tronco tupi. Composta de aproximadamente trinta línguas faladas no Brasil e nos países vizinhos, e de várias línguas que já desapareceram, entre elas o Tupinambá.
CAPÍTULO III: Fonética
MASSINI-CAGLIARI, Gladis; CAGLIARI, Luiz Carlos. Fonética. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012, p. 113-155.
Fonética e Fonologia têm os sons da fala como objeto de estudo.
A principal preocupação da fonética é descrever os sons da fala (descrição física).
Fonética Articulatória: a maneira como os sons são produzidos.
Fonética Acústica: a maneira como os sons são transmitidos.
Fonética Auditiva: a maneira como os sons são percebidos pelo ouvinte.
A fonologia procura interpretar os resultados obtidos por meio da descrição (fonética) dos sons da fala, em função dos sistemas de sons das línguas e dos modelos teóricos disponíveis.
Enquanto a fonética é basicamente descritiva, a fonologia é uma ciência explicativa, interpretativa. Enquanto a análise fonética se baseia em produção, percepção e transmissão dos sons da fala, a análise fonológica busca o valor dos sons em uma língua, sua função linguística.
Uma transcrição fonética dos segmentos é representada dentro de colchetes quadrados [ ] e uma transcrição fonológica (fonêmica), dentro de barras simples inclinadas.
No século XVIII, tiveram grande desenvolvimento os estudos prosódicos, desassociados, então, dos estudos de metrificação poética. No final do século XIX, surgiram os primeiros laboratórios de fonética experimental.
Produção da fala
Processo neurolinguístico
Processo neuromuscular
Processo da respiração
Mecanismos aerodinâmicos (egressivo ou ingressivo)
A corrente de ar é modificada ao passar pelas cavidades supraglotais (faringe, boca e lábios)
As modificações podem causar obstruções
As obstruções são chamadas de articulações fonéticas e suas características formam o processo articulatório.
Processo naso-oral: Ao chegar na parte superior da faringe, a corrente de ar encontra dois caminhos: oral ou nasal.
Processo acústico da fala: Ao sair pela boca e ou pelas narinas, as vibrações acústicas das partículas de ar se espalham em ondas circulares.
Processo auditivo (ou perceptual)
Quando a percepção da fala chega ao cérebro, ativa-se novamente o processo neurolinguístico.
A passagem que se forma entre as cordas vocais é chamada de glote. Ao passar pela laringe, a corrente de ar passa a constituir o ar fonatório, o qual será modificado acusticamente ao passar pelas cavidades supraglotais.
O processo de fonação compreende as possibilidades articulatórias das estruturas da laringe e, sobretudo, das cordas vocais.
Oclusiva glotal
Fricativa glotal
Vozeamento
Ensurdecimento
Aspiração
Murmúrio
Creaky voice (baixo)
Falseto (agudo)
As unidades chamadas segmentos são as que definem as vogais e as consoantes.
As unidades maiores do que os segmentos são chamadas de prosódicas, como as sílabas, as moras silábicas, o pé, o grupo tonal, os tons entoacionais, a tessitura e o tempo.
As unidades menores do que os segmentos são chamadas de traços ou propriedades distintivas, como o vozeamento, o lugar e o modo de articulação.
Acento (tonicidade)
Acento primário
Acento secundário
Acento frasal
Diferentes colocações do acento frasal mudam o foco dos enunciados.
Qualquer texto falado possui ritmo (constituído pelas durações silábicas e os acentos) – ideia de isocronia.
Pike (1945): línguas de ritmo acentual (como o Português e o Inglês, com duração silábica similar) e línguas de ritmo silábico (duração silábica relativa não varia).
Essa tipologia das línguas foi refeita por Dauer (1983) e Jassem, Hill e Witten (1984)
Velocidade de fala ou tempo não podem ser confundidos com ritmo. Ritmo é a maneira como as línguas organizam a substância fonética no tempo, com base na relação de proeminência entre sílabas e acentos.
A variação da velocidade pode ser usada para enfatizar o que se diz (desaceleração), para evitar intromissão do interlocutor (aceleração) ou para sinalizar final de argumentação e de turno discursivo nos diálogos (desaceleração).
Tons entoacionais.
Tons primários:
Declaração, asserção
Interrogação
Incompleto
Surpresa interrogativa
Asserção enfática
“Certas” frases relativas
Tons secundários (atitude do falante):
Declaração enfática
Asserção forte, impaciência
Repetição, impaciência
Enumeração
Interrogação fraca
Um padrão entoacional forma um grupo tonal. Todo grupo tonal terá sempre uma sílaba tônica saliente (o acento frasal).
O espaço compreendido entre o som mais grave e o mais agudo, na fala de alguma pessoa, é chamado de tessitura.
Qualidade da voz (exemplo: o Português soa como uma língua bastante fricativa e nasalizada).
Segmentos
Consoantes: classificadas em termos de modo e lugar de articulação e vibração.
Modos de articulação:
Oclusivos, nasais, fricativos, africados, laterais, vibrantes (vibrante múltipla e vibrante simples, como o tepe), retroflexos e aproximantes.
Lugares de articulação:
Labial ou bilabial, labiodental, dental, alveolar, palatoalveolar, alveopalatal, palatal, velar, uvular, faringal, glotal.
Vozeamento/vibração:
Surdo ou sonoro (vozeado ou desvozeado)
Todas as vogais são segmentos vozeados.
Vogais
Em sua produção não há fricção ou obstrução.
As vogais são classificadas de acordo com três princípios:
Altura: fechada, meio-fechada, meio-aberta, aberta
Regiões articulatórias: anterior, central, posterior
Labialização: arredondada, não arredondada
No caso dos ditongos, a articulação parte de um ponto dentro da área vocálica e se dirige a outro.
Semivogais (ou semiconsoantes) são interpretações fonológicas e não fonéticas. Sua noção faz sentido apenas na fonologia, que vai determinar o valor que os elementos representados por /j/ e /w/ assumem na estruturação fonológica das sílabas.
O termo semivogal veio da interpretação da sílaba como constituída de consoantes na periferia e de vogal no núcleo.
Quando um ditongo termina com as qualidades [i] ou [u], a curva de saliência auditiva é decrescente, e quando aqueles elementos iniciam o ditongo, a saliência é crescente. Por essa razão, os ditongos passaram a ser classificados como decrescentes ou crescentes.
Transcrição fonética
Os foneticistas não usam os dados de línguas particulares para definir o valor dos segmentos, mas as possibilidades articulatórias do homem.
Processos envolvidos
Treinamento de audição
Treinamento de produção
Identificação dos segmentos e transcrição
Leitura e revisão
IPA – International Phonetics Association
As transcrições não marcam os elementos prosódicos. Entre os fenômenos não representados estão o acento, o ritmo, a entoação e a silabificação.
A Fonética Acústica possui três ramificações (campos de estudo):
Pesquisa da estrutura física dos sons da fala
Pesquisa de fala sintética
Pesquisa de reconhecimento automático da fala
CAPÍTULO IV: Fonologia
MORI, Angel Corbera. Fonologia. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012, p. 157-191.
A língua é um produto social e a fala é um fato individual e representa uma realização concreta da língua, de acordo com Saussure.
O estudo da linguagem comporta duas partes:
- uma, que tem como objeto a língua, que é social em sua essência e independe do indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico.
- outra, que tem por objeto a parte individual da linguagem, ou seja, a fala, inclusive a fonação e é psicofísica.
Língua e fala constituem a linguagem humana.
A língua é um sistema de signos formados pela união do significado e do significante.
O significante, na fala, é estudado pela fonética: articulatória e acusticamente.
Na língua, o significante é estudado pela fonologia.
O estudo dos fones em seus aspectos físicos, articulatórios e auditivos corresponde à Fonética.
O estudo dos fonemas como unidades discretas, distintivas e funcionais é tarefa da Fonologia.
A diferença entre fonética e fonologia foi consolidada em 1928 a partir dos trabalhos de três linguistas russos: Roman Jakobson, Nicolai Trubetzkoy e Serge Karcevsky.
Ciência dos sons da fala: fonética.
Ciência da língua: fonologia.
Essa diferença foi consagrada por Trubetzkoy (1969).
O estudo dos sons relacionado ao ato de fala – os fenômenos físicos concretos – emprega métodos que correspondem às ciências naturais.
O estudo dos sons relacionado ao sistema da língua usa os métodos da Linguística, das humanidades ou das ciências sociais.
Consideramos a fonética como a ciência do aspecto material dos sons da linguagem humana. Estuda os sons da fala independentemente da função que eles possam desempenhar numa língua determinada. As unidades básicas da Fonética são os fones, transcritos entre colchetes.
A fonologia estuda as diferenças fônicas correlacionadas com as diferenças de significado, ou seja, estuda os fones segundo a função que eles cumprem numa língua específica, os fones relacionados às diferenças de significado e a sua inter-relação significativa para formar sílabas, morfemas e palavras. Os primitivos da fonologia são os fonemas que, por convenção, são representados entre barras inclinadas.
Um dos objetivos da fonologia relaciona-se com o desenvolvimento de ortografias, ou seja, o emprego de um alfabeto para representar a escrita de uma língua.
Ajuda também no conhecimento do sistema fonológico da língua materna. Assim, recorrendo à fonologia, pode-se estabelecer a relação que há entre os fonemas da língua e os símbolos gráficos que os representam.
Os segmentos que permitem diferenciar significados denominam-se fonemas.
O fonema é tratado como uma unidade menor que não pode ser analisada em outras unidades menores, ou seja, como unidade indivisível. O fonema é a menor unidade fonológica da língua de que se trata.
Fonema
Jan Baudouin de Courtenay (1870): insistia na divisão entre fonema e som e definiu fonema em termos estritamente psicológicos. Para ele, o fonema era o equivalente psíquico do som, cujo estudo ficaria por conta da psicofonética.
Sapir (1944): linguista norte-americano, que concebia os fonemas como sons ideiais que os falantes intentam produzir e os ouvintes creem escutar.
Trubetzkoy (1933): para o autor, a Fonética procura descobrir o que de fato se pronuncia ao falar uma língua, e a Fonologia o que se crê pronunciar, considerando o fonema como a imagem acústico-motora mais simples e significativa de uma língua. Em 1939, o autor passou a definir o fonema em termos estritamente funcionais. O fonema passou a ser definido, então, de acordo com a função que desempenha numa língua, sendo considerado como um conceito linguístico e não psicológico.
Leonard Bloomfield (1933): considera o fonema como propriedade observável. Definiu o fonema como “unidades mínimas de traços fônicos distintivos”.
Gleason (1985): define o fonema como uma classe de sons que são (a) foneticamente semelhantes e (b) mostram determinados esquemas de distribuição, dependendo das características de cada língua ou dialeto.
Toda língua possui um número restrito de sons cuja função é diferenciar o significado de uma palavra em relação à outra. Os sons que exercem esse papel chamam-se fonemas e ocorrem em sequências sintagmáticas, combinando-se entre si de acordo com as regras fonológicas de cada língua.
Identificação dos fonemas (critérios)
Oposição: dados dois fones, se a substituição de um pelo outro resultar numa diferença lexical, então esses fones podem ser considerados como fonemas. Para realizar esse teste é necessário um par mínimo.
Oposição em ambientes análogos: às vezes é impossível encontrar verdadeiros pares mínimos, em tais casos, o fonólogo busca pares que diferem em dois, ou talvez três aspectos. Assim, dois itens que ocorram em ambientes similares, mas não idênticos, podem caracterizar a oposição em ambiente análogo, desde que as diferenças entre os sons não sejam atribuídas aos sons vizinhos.
Distribuição complementar
Alofones: As diferentes realizações fonéticas de um fonema são conhecidas como alofones ou variantes fonéticas. “Os sons podem ser afetados por seus contextos linguísticos” (Pike, 1947). Para agrupar os fones como alofones de um fonema é importante considerar o critério de semelhança fonética (princípio da homogeneidade fonética e princípio da homogeneidade acústica – pares suspeitos).
Variação livre: haverá casos em que as variações fonéticas não são contrastivas e nem estão em distribuição complementar. Nesses casos, o falante pode usar dois ou mais alofones no mesmo contexto sem destruir a identidade dos itens lexicais em questão. São as variantes livres de um fonema.
Princípio da simetria: pelo princípio da simetria espera-se que para cada som de uma língua seja encontrado um outro som correspondente.
Princípio de economia: uma versão ortodoxa desse princípio diz que dadas, por exemplo, duas descrições linguísticas, uma contendo um inventário de 25 fonemas e a outra com 20 fonemas, escolhe-se a segunda por postular menos fonemas.
Princípio de pressão estrutural: esse princípio toma como base a organização estrutural de uma língua na interpretação dos fonemas. Ele é usado na análise de segmentos que foneticamente são ambivalentes, como os glides ou em casos de sequências de consoantes do tipo [ts], [dz].
O fonema estaria constituído por um conjunto de propriedades que se realizam simultaneamente. Esse feixe de propriedades chama-se traços. Os traços servem não apenas para agrupar os sons em classes naturais, mas também para diferenciar um fonema de outro, daí que são denominados traços distintivos.
Um objetivo da teoria fonológica é identificar o conjunto de traços necessários para descrever os sons de qualquer língua para, assim, compreender melhor as fonologias das línguas faladas no mundo.
Traços de Chomsky e Halle (1968), considerando algumas modificações levantadas em Halle e Clements (1983)
(+ PRESENÇA / - AUSÊNCIA)
Traços de classes principais
a) silábico [sil]: os sons silábicos são os segmentos que funcionam como núcleo da sílaba (vogais, por exemplo).
b) consonantal [cons]: os sons consonantais são produzidos com uma constrição ao longo da linha central do trato vocal.
c) soante [soan]: esse tipo de sons é produzido com uma configuração do trato vocal que permite o vozeamento espontâneo.
Traços de cavidade (referem-se aos pontos de articulação dos segmentos)
a) coronal [cor]: os sons coronais são produzidos com o ápice ou a lâmina da língua elevada acima de sua posição neutra.
b) anterior [ant]: os sons anteriores são produzidos com uma obstrução na parte anterior do trato vocal, numa região situada entre os lábios e a arcada alveolar (o traço anterior aplica-se somente às consoantes, não às vogais).
c) distribuído [dis]: sons distribuídos são aqueles produzidos com uma constrição que se estende por uma distância relativamente longa no nível da linha central do trato vocal.
Traços do corpo da língua
a) alto [alt]: os sons altos são produzidos com uma elevação do corpo da língua acima da posição neutra.
b) baixo [bx]: os sons baixos apresentam um abaixamento do corpo da língua em relação à posição neutra.
c) recuado [rec]: também definido como [posterior], serve para caracterizar os sons produzidos com uma retração do corpo da língua relativamente à sua posição neutra.
d) raiz da língua avançada [ATR]: na emissão dos sons ATR, a raiz da língua é puxada em direção à parte anterior do trato vocal, o que faz com que a cavidade faríngea se amplie e produza uma elevação do corpo da língua.
Traços relacionados com a forma dos lábios
a) arredondado [arr]: os sons arredondados são produzidos com uma protrusão dos lábios.
b) labial [lab]: os sons labiais são produzidos com uma constrição dos lábios.
Traços de modo de articulação
a) contínuo [con]: na produção dos sons contínuos há uma obstrução da passagem do ar pelo trato vocal, mas sem chegar a ser total.
b) lateral [lat]: os sons laterais são produzidos com o abaixamento da parte média da língua de um ou dos dois lados, o que permite o fluxo lateral da corrente de ar.
c) nasal [nas]: na produção dos sons nasais o véu palatino está abaixado, permitindo o fluxo de ar pela cavidade nasal.
d) estridente [estr]: os sons estridentes se caracterizam pela presença de mais ruído do que seus correspondentes não estridentes.
e) distenção retardada [DR]: existem duas maneiras pelas quais o fechamento do trato vocal pode ser liberado: (a) abruptamente como nas plosivas, (b) gradualmente como nas fricativas e africadas. Esse traço diferencia as plosivas orais das africadas. As consoantes africadas são [+DR] e as plosivas [-DR].
Traços de fonte
a) vozeado [voz]
b) pressão subglotal elevada [PSE]
c) constrição glotal [CG]
Traços prosódicos
a) [longo]: segmentos que apresentavam duração.
b) [acento]: sílabas que apresentavam maior intensidade que outras.
c) [tom]: a altura das unidades portadoras de tom (vogais).
A teoria dos traços distintivos veio alterar o conceito de fonema, considerado inicialmente como unidade mínima da Fonologia. O fonema é um segmento sonoro, constituído por determinadas propriedades, isto é, os traços distintivos.
A teoria fonológica atual considera os fonemas como conjuntos de traços distintivos e, por essa razão, muitas vezes emprega-se o termo segmentos fonológicos ou apenas segmentos.
A sílaba é uma unidade básica que nos informa acerca de como está organizado o sistema fonológico de uma língua; ela é uma entidade estritamente fonológica, não pode ser confundida com uma unidade da gramática ou da semântica.
De acordo com o traço silábico, as palavras foram vistas como uma sequência de segmentos consonantais e vocálicos.
Fonotática é um termo usado na fonologia para se referir às combinações de segmentos possíveis numa determinada língua.
A sílaba representa o primeiro nível de organização fonológica dos fonemas de uma língua particular.
Na estrutura silábica, as vogais formam o núcleo da sílaba, mas em determinadas línguas, como no inglês, as consoantes líquidas e as nasais podem também ocupar a posição de núcleo. As consoantes que se situam nas bordas do núcleo denominam-se ataque e coda, respectivamente.
Sílaba [δ]
A para ataque
R para rima (Nu para Núcleo – Co para coda)
As sílabas podem ser leves ou pesadas. Uma sílaba leve tem a estrutura CV (a rima não se ramifica, não há coda). Há línguas que podem tratar uma sílaba CVC como leve. Uma sílaba pesada é aquela em que a rima se ramifica.
Sílaba aberta (ou livre): sempre termina em vogal.
Sílaba fechada (ou travada): termina em uma ou mais consoantes.
Hierarquia de sonoridade (Hooper, 1976): cada vez que temos um segmento com grau de sonoridade alto teremos o núcleo da sílaba, e quando a escala de sonoridade for baixa teremos os segmentos que estão nas margens da sílaba: ataque e coda.
CAPÍTULO V: Morfologia
SANDALO, Maria Filomena Spatti. Morfologia. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012, p. 193-220.
A morfologia é frequentemente definida como o componente da gramática que trata da estrutura interna das palavras.
Definição de palavras por critérios sintáticos
Uma sequência de sons somente pode ser definida como uma palavra lexical se: (i) puder ser usada como resposta mínima a uma pergunta e se (ii) puder ser usada em várias posições sintáticas.
Palavra é a unidade mínima que pode ocorrer livremente.
As unidades mínimas da morfologia são os elementos que compõem uma palavra. Os elementos que carregam significado dentro de uma palavra são rotulados de morfemas e são estes a unidade mínima da morfologia. Apesar de muitas pessoas afirmarem que a palavra é a unidade mínima que carrega significado, o morfema é que o é.
Quadro estruturalista
O problema central da Linguística para o quadro teórico estruturalista é identificar os morfemas que compõem cada língua falada no mundo; a morfologia, portanto, é de crucial importância para o estruturalismo.
A metodologia estruturalista mostra que não é necessário saber falar uma língua para ser capaz de identificar seus morfemas.
Passos para a documentação dos morfemas:
- Identifique as formas recorrentes e tente observar qual é o pedaço de significado recorrente na tradução.
- Não assuma que morfemas universalmente aparecem na mesma ordem que os morfemas do português.
- Não assuma que todos os significados expressos por morfemas em sua língua nativa serão expressos em outra língua por um morfema específico.
- Não assuma que sua língua nativa apresenta todos os contrastes morfológicos possíveis universalmente.
Estudar morfologia permite vislumbrar a diversidade linguística.
As línguas polissintéticas são línguas em que qualquer palavra, exceto o verbo, pode ser omitida, uma vez que todos os significados de uma sentença são expressos por meio de morfemas verbais.
Além de sufixos e prefixos, a tipologia de morfemas conta também com infixos. Infixos são morfemas adicionados dentro de outros morfemas.
Morfofonologia e a teoria gerativa padrão
A fonologia pode definir o lugar onde o morfema deverá ser inserido na palavra.
A fonologia pode exercer influência não apenas em relação ao lugar onde o morfema é inserido, mas também na própria forma fonética dos morfemas.
As variantes (diferentes formas fonéticas) de um mesmo morfema são chamadas de alomorfes. Alomorfes podem ser derivados por regras fonológicas.
Regras de alofonia geralmente não têm exceções.
Regras de alomorfia nem sempre são produtivas.
Um processo de mudança linguística pode levar uma regra morfofonológica pouco produtiva a se transformar em uma regra fonológica totalmente produtiva.
Teoria Gerativa (década de 60)
A morfologia e a descrição morfológica de línguas não previamente analisadas, como desenvolvidas pelos estruturalistas, perderam espaço.
Passou-se a se buscar os universais da linguagem.
A sintaxe (estudo da formação de sentenças) passou a ser o ponto central da Gramática, uma vez que é na sintaxe que vemos uma maior similaridade entre as línguas.
A morfologia passou a ser tratada dentro do componente fonológico. Deixou de ser, assim, um componente da gramática.
Dentro do quadro gerativista das décadas de 1970 e 1980, passou-se a assumir que cada componente da gramática deveria corresponder a um módulo independente governado por seus princípios particulares.
Fonologia lexical (processada no léxico)
Fonologia pós-lexical (processada na sintaxe)
A morfologia passou a ser tratada dentro do quadro da fonologia lexical. O estudo da interação entre morfologia e fonologia recebeu o nome de fonologia lexical.
O léxico, nesse modelo, é um local de armazenamento de irregularidades memorizadas.
A sintaxe seguiria toda e qualquer operação lexical, manipulando palavras inteiras, sendo, portanto, cega à estrutura interna das palavras, isto é, às operações lexicais.
Anderson (1982) – Where is Morphology?
O autor fundou uma discussão cujo objetivo era mostrar que, pelo menos uma classe de morfemas, aqueles conhecidos como morfemas flexionais, são relevantes para a Sintaxe e não podem ser ignorados pelo componente sintático.
Morfologia derivacional:
a) tem a característica de alterar a categoria gramatical de uma palavra.
b) não é produtiva, isto é, não é qualquer morfema derivacional que pode ser adicionado a qualquer raiz.
A morfologia derivacional é um fenômeno lexical, uma vez que o léxico é visto neste modelo como um receptáculo de irregularidades e memorizações.
Morfologia flexional:
a) não altera categorias. Ela estabelece ligações entre as palavras. A morfologia flexional acena para a Sintaxe, ficando muito difícil de aceitar a sua não relevância para a Sintaxe.
b) é produtiva (ou seja, exceções são muito raras).
Evidência clara da relevância da Morfologia Flexional para a Sintaxe vem de morfemas que indicam caso.
É interessante observar que o sistema de caso tem um impacto na ordem de constituintes sintáticos, e esta é uma evidência forte para a afirmação de que a Sintaxe é sensível à Morfologia Flexional.
A hipótese de Chomsky (1970), de que a sintaxe deveria ser cega para a morfologia, ficou conhecida como hipótese lexicalista.
Anderson (1982) – a divisão entre morfologia derivacional como um processo lexical e morfologia flexional como um processo sintático passou a ser conhecida por hipótese lexicalista fraca.
Degraff (1997) também defende a interação entre sintaxe e morfologia.
Assumiu-se, dentro da teoria gerativa, que todas as línguas contam com atribuição de caso; as línguas apenas diferem no fato de que algumas têm caso morfologicamente marcado e outras não.
A teoria sintática ganha uma Teoria de caso: fenômeno puramente sintático.
Em 1992, Anderson recusa a ideia de que a morfologia flexional fizesse parte da sintaxe e funda um quadro teórico para a análise de morfologia flexional.
Para o autor, a unidade mínima da morfologia não é constituída por morfemas. A unidade mínima da morfologia são traços, aqui definidos como propriedades semânticas mínimas. Traços morfológicos seriam do tipo +1pessoa, +passado etc.
A morfologia percorre todo o processo linguístico e, portanto, estudar morfologia envolve contar com uma visão global de Linguística.
A proposta de Anderson foi adotada pelo Minimalismo de Chomsky (1993, 1995) e pela Morfologia Distribuída, de Halle e Marantz (1993, 1995).
Minimalismo: a morfologia voltou a contar com certo papel de destaque. A morfologia (traços morfológicos) guia a sintaxe. Apesar dessa ênfase, para os minimalistas, a morfologia continuou a ser parte da sintaxe.
Morfologia distribuída: embora muito da morfologia ocorra no módulo da sintaxe, a morfologia tem seu próprio componente, definido como um nível de interface entre a sintaxe e a fonologia.
A sintaxe é visível para a morfologia e a morfologia é visível para a fonologia, permitindo maior intersecção entre morfologia-fonologia-sintaxe.
A morfologia distribuída passou a recusar uma separação entre morfologia flexional (sintaxe) e derivacional (fonologia lexical). Defende que a morfologia, como um todo, tem seus processos independentes de quaisquer outros fenômenos linguísticos.
A morfologia distribuída reconhece os traços morfológicos e fonológicos como primitivos linguísticos.
Clíticos:
Jelinek (1984): clíticos devem ser tratados como palavras e que, portanto, devem funcionar como argumentos sintáticos.
Suñer (1988): clíticos são afixos e devem ser tratados como concordância.
Anderson (1992): clíticos são afixos (afixados às frases), diferentemente dos afixos tradicionais que são afixados à palavra.
Os fenômenos morfológicos nem sempre são concatenativos, isto é, processados por meio da adição de morfemas.
a) mistura: palavras que são criadas pela junção de partes de duas palavras já existentes na língua (portunhol, por exemplo).
b) abreviação: uma nova palavra é criada pelo truncamento de uma palavra já existente (biju, por exemplo).
c) acronímia: palavras iniciadas pelas letras iniciais de uma sigla (IEL, por exemplo).
d) retroformação: uma palavra é formada pelo desafixação de certos morfemas (delega, por exemplo).
Morfologia não concatenativa: nova versão da teoria gerativa (teoria da otimalidade) que surgiu no início da década de 1990.
A teoria da otimalidade, proposta inicialmente por Prince e Smolensky (1993), é uma teoria que nega a análise gramatical por meio de módulos. Uma gramática particular é o resultado do ordenamento de um conjunto de princípios universais, isto é, aplicados em todas as línguas, mas violáveis.
Sílabas ótimas:
Coda – as sílabas não devem ser travadas;
Alinhamento – os morfemas devem ser adicionados à esquerda da raiz.
O português jamais viola o alinhamento, não gerando infixos, mas permite a violação de ataque, gerando sílabas subótimas.
A teoria da otimalidade não pretende ser uma teoria morfológica. Pretende ser uma teoria da linguagem como um todo.
De acordo com o modelo gerativo, os mecanismos responsáveis pela linguagem são inatos e independentes de aspectos culturais. Todas as línguas são regidas por princípios universais (gramática universal).
Como pode haver tamanha diversidade e uma gramática universal ao mesmo tempo?
CAPÍTULO VI: Sintaxe
Berlinck, Rosane Andrade; AUGUSTO, Marina R. A.; SCHER, Ana Paula. Sintaxe. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012, p. 221-259.
Syntaxis (ordem, disposição): parte da gramática dedicada à descrição do modo como as palavras são combinadas para compor sentenças, sendo essa descrição organizada sob a forma de regras.
Como são formuladas as regras:
a) elenca-se um grande número de escritores consagrados;
b) listam-se, sob a denominação de regras, as formas segundo as quais tais escritores combinam e organizam as palavras de seus textos em sentenças.
Gramática Tradicional
Ordem direta: sujeito-verbo-complementos.
Ordem inversa: complementos-sujeito-verbo / complementos-verbo-sujeito etc.
A gramática não explica o porquê da utilização das diferentes construções sintáticas.
As gramáticas de mostram, por vezes, distantes da realidade linguística, porque seu objetivo não é, em geral, descrever a língua em toda a sua complexidade. Pretendem apresentar regras que correspondem à manifestação mais “correta” da língua.
História da Sintaxe
O desejo de estabelecer a Sintaxe como disciplina linguística independente data apenas do final do século XIX.
Os estudos linguísticos se caracterizaram no século XIX, especialmente, pelo interesse em fenômenos fonéticos e morfológicos.
1894 – John Ries (Was ist Syntax?) – estudo pioneiro na área.
É sobretudo a partir das ideias de Saussure, no início do século XX, e das várias aplicações e desenvolvimentos que delas fizeram seus seguidores que a sintaxe foi adquirindo o estatuto de disciplina autônoma.
Se distingue da Fonologia e da Morfologia pela unidade linguística que constitui seu foco de análise: a sentença. O sintaticista pode se ocupar ainda de unidades menores – o constituinte ou sintagma.
Há várias possibilidades de análise, mas é possível dividi-las em duas grandes tendências: o Formalismo e o Funcionalismo.
No momento em que Saussure propõe a clássica distinção entre langue e parole, ou seja, em que define a existência de um sistema de convenções, regras e princípios independente do uso linguístico, instaura a possibilidade de se estudar a linguagem ou de um ponto de vista estritamente formal ou do ponto de vista de suas funções.
A visão formalista
O estudo das características internas à língua, tais como a natureza de seus constituintes e da relação entre eles, ou seja, do aspecto formal da língua, caracteriza a abordagem formalista de análise linguística.
Questões relacionadas unicamente à estrutura linguística.
A sintaxe deve ser examinada como um objeto autônomo.
Toda análise linguística sob o ponto de vista formal será feita considerando-se e enfatizando-se a sentença.
Fenômenos de variação e mudança deverão ser tratados em termos de propriedades internas ao sistema linguístico ou de possibilidades de variação que se verificam nesse mesmo sistema.
Chomsky (1986): a língua é um sistema de conhecimentos interiorizados na mente humana.
A pesquisa em gramática gerativa da linha chomskyana segue o método dedutivo, que se baseia na introspecção do linguística, argumenta em favor de uma base inatista para o processo de aquisição da linguagem e trata os fatos linguísticos de forma modular.
A visão funcionalista
Vê a linguagem como um sistema não autônomo, que nasce da necessidade de comunicação entre os membros de uma comunidade, que está sujeito às limitações impostas pela capacidade humana de adquirir e processar o conhecimento e que está continuamente se modificando para cumprir novas necessidades comunicativas.
O fato de a comunicação ser uma função essencial da linguagem determina o modo como a língua está estruturada.
A análise de um fato linguístico deve levar em conta tanto o falante quanto o ouvinte e as necessidades da comunidade linguística.
Funções que a linguagem desenvolveu para servir na vida do homem social.
Alargar a análise para além dos limites da sentença. Só é possível compreender o que se passa na Sintaxe, olhando também para o contexto em que a sentença está inserida.
A variação linguística constitui um dos centros de interesse privilegiado da abordagem funcionalista. As soluções para a variação estão dentro do sistema linguístico e fora dele, no ambiente social em que a língua funciona como veículo de comunicação.
As abordagens formalista e funcionalista da linguagem não correspondem a duas teorias particulares, mas cada uma a vários modelos teóricos que, diferindo em certos aspectos, apresentam pontos essenciais em comum.
A teoria gerativista vê a linguagem como uma dotação genética. O ser humano vem equipado com uma Gramática Universal, que, segundo Raposo (1992), deve ser entendida como a soma dos princípios linguísticos geneticamente determinados, específicos à espécie humana e uniformes através da espécie.
A GU constitui “o estado inicial da faculdade da linguagem (S0), e a gramática do indivíduo adulto constitui o seu estado final, firme ou estável”.
A competência é a gramática interiorizada do falante, enquanto o desempenho designa o uso concreto que o falante faz desse seu conhecimento internalizado.
Chomsky (1981) – Modelo de princípios e parâmetros
Concebe as línguas humanas como sistemas constituídos por princípios universais – invariantes que toda e qualquer língua apresentará – e parâmetros de variação, relacionados às propriedades variáveis de línguas particulares.
A criança ante os dados a que está exposta (input), selecionará, entre as opções disponíveis, aquela que se adequa a tais dados.
O objetivo geral do empreendimento gerativista é o estudo da natureza e das propriedades exactas da Gramática Universal.
Os estudos gerativistas preocupam-se principalmente em explicar as propriedades específicas do conhecimento dos falantes – ou seja, da competência – que restringem, por outro lado, as possibilidades de variação translinguística.
É no sintagma verbal que se estabelecem as relações entre verbo e os sintagmas nominais que completam seu sentido, ou seja, seus argumentos.
CATEGORIAS SINTAGMÁTICAS
SC – Sintagma Complementizador
SF – Sintagma Flexional
SV – Sintagma Verbal
SN – Sintagma Nominal
Especificador (à esquerda do núcleo)
Complemento (à direita do núcleo)
A mudança sintática tem como raiz a teoria da aquisição.
Roberts (1993) vê a mudança sintática como um processo caracterizado por três etapas: 1) mudança na experiência linguística das novas gerações refletida numa mudança na frequência de uso de certa construção; 2) mudança estrutural, relacionada aos dados a que uma certa geração de falantes é exposta e que se tornam ambíguos o bastante para permitir uma diferente análise estrutural, a reanálise diacrônica; 3) mudança paramétrica, que implica uma fixação do valor de dado parâmetro pela geração mais nova diferentemente do valor da geração anterior.
A questão da ordenação entre sujeito e verbo relaciona-se ao fenômeno V2. Nas línguas V2 há um predomínio da ordem XVS.
Característica do Português Arcaico: entre os séculos XIII e XV.
Ordem linear dos constituintes em uma língua V2: XVS (C (C)) (A)
A partir do século XVIII a ordem SVX passa a ser mais frequente. A ocorrência cada vez mais frequente desse tipo de ordem no português dos séculos XVIII e XIX cria um ambiente adequado para que uma etapa de mudança sintática possa se realizar: a reanálise diacrônica.
No século XX, para Kato et al. (1996), as ocorrências de VS se limitam mesmo a contextos monoargumentais.
Parâmetro do sujeito nulo
No PB o sujeito foneticamente nulo, assim como a inversão sujeito-verbo têm se mostrado menos frequentes. A perda do sujeito nulo referencial é associada ao empobrecimento do paradigma verbal na variedade brasileira. Além disso, há a preferência pelo pronome “você”, em detrimento do uso de “tu”. Como também a entrada de “a gente”, que substitui o pronome “nós”. O empobrecimento do paradigma flexional é responsável por dificultar a identificação referencial do sujeito nulo no PB.
O enfraquecimento da flexão tem, portanto, como efeito uma reorganização da oração.
Sujeito duplo e a ordem SV
Pronomes fracos ligam-se a um elemento anterior em posição de tópico. Os pronomes fortes podem ocupar a posição de tópico, pois carregam ênfase. (sujeito duplo)
Manifestações do raciocínio lógico
Juízo tético (ou simples) – há o reconhecimento de um evento juntamente com seus respectivos participantes
Juízo categórico (ou duplo) – reconhece-se e apresenta-se uma entidade como indivíduo e associa-se o predicado à entidade.
Uma mudança no paradigma flexional no PB, relacionada à modificação das formas de tratamento aqui usadas, implicou uma série de mudanças na estruturação sintática das sentenças do PB.
Na visão formalista, pretende-se explicar a estruturação sintática/formal que subjaz a cada sistema linguístico, derivado das possibilidades da Gramática Universal e da fixação de parâmetros que, somados, dão corpo a uma gramática particular.
A postura funcionalista assume a existência de alternativas de ordenação, sem, no entanto, atribuir-lhes nenhum tipo de hierarquia. Há a coexistência de várias construções.
A estrutura da língua só pode ser compreendida plenamente em associação com os princípios que regem a interação verbal.
Os vários padrões de ordenação cumprem funções comunicativas diferentes.
Tópico: uma entidade a respeito da qual um determinado discurso fornece alguma informação.
Henri Weil considera a variação da ordem dos constituintes como um reflexo da ordem que as ideias seguem no discurso.
Componentes da frase: ponto de partida (ou noção inicial) e a enunciação.
Tema/rema, tópico/comentário, dado/novo.
Gramática Funcional: Simon Dik (1981, 1989).
Estrutura abstrata – predicação: uma estrutura de predicado e os termos previstos pela sua significação – os seus argumentos.
Satélites: termos não exigidos pelo predicado, informação adicional.
A ordem é um mecanismo de expressão superficial.
Princípios de ordenação
Domínio da sentença: a ordenação dos constituintes vai depender de como o falante avalia a informação de que o seu ouvinte dispõe e, a partir disso, organiza sua fala para provocar alguma mudança nesse conjunto de informações, fornecendo ao destinatário de sua mensagem algo de novo.
Domínios: domínio da sentença como um todo, domínio do sintagma nominal, domínio do sintagma adjetival.
Princípios:
a) preferência de que constituintes com a mesma especificação funcional (por exemplo, sujeito ou objeto) ocupem a mesma posição estrutural.
b) a tendência a que em certas posições da estrutura da frase ocorram sempre as mesmas categorias gramaticais e constituintes com função de tópico ou de foco.
c) a tendência a organizar a frase da esquerda para a direita, segundo um grau crescente de complexidade categorial.
Esquema geral de ordenação a partir do qual cada língua especifica seus padrões de ordenação da frase: P1 (V) S (V) O (V).
Nem sempre o sujeito funciona (pragmaticamente) como foco/tópico.
Função pragmática: especifica o estatuto informacional dos constituintes, em relação ao contexto comunicativo.
O foco é uma parte da informação que é fornecida sobre o tópico.
Constituintes com a função de tópico geralmente são inferíveis (previsíveis por estarem naturalmente associados a elementos já mencionados antes) ou evocados (já foram mencionados no contexto anterior).
Padrões de ordenação P1 V S e V S X se explicam por dois fatores:
a) o sujeito não é tópico, nem constitui isoladamente o foco: não há assim razão pragmática para que ocupe P1.
b) o sujeito faz parte de um bloco (frase-comentário) que carrega a informação nova do enunciado.
Princípio da polaridade
A ordem em que um elemento aparece na frase depende do grau em que esse elemento é central (polar) ou periférico (não polar) em relação ao fluxo discursivo.
Se a entidade realizada como sujeito é central, o sujeito precederá o verbo; se for periférica ao fluxo discursivo, será colocada depois do verbo.
O universo da análise funcionalista é a língua em uso. Assume-se que são as condições e exigências do uso que moldam a estrutura. O objetivo do pesquisador não será tanto descrever a organização interna, mas identificar de que modo a forma realiza suas funções.
Resumindo:
A visão mais tradicional, contida nos compêndios gramaticais, não consegue apresentar princípios explicativos para a alternância da ordem estrutural.
As visões formalista (como em Chomsky) e funcionalista (como em Dik) não são opostas ou excludentes sobre os fatos sintáticos: são proposta complementares.
Dadas certas construções da língua, a análise formalista busca descrever e explicar de que modo estão estruturados os mecanismos gramaticais que as engendram, explicando também aquilo que a língua não é capaz de gerar.
Já a análise funcionalista explica esse conjunto de dados segundo as funções que desempenham no uso – se há formas alternativas de expressão, elas devem ter diferentes valores comunicativos.
Essas duas abordagens não percorrem caminhos totalmente independentes. Kato (1998b) destaca o terreno comum de formalistas e funcionalistas. A referência a noções como tópico, que foram apresentadas aqui, serve de exemplo para essa mútua influência.
A linguagem e a língua são objetos complexos e admitem muitos olhares diferentes, sem eliminação. A análise tradicional é apenas um, que nem sempre espelha melhor a dinamicidade da língua viva.
CAPÍTULO VII: Linguística Textual
BENTES, Anna Christina. Linguística textual. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 9. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2012, p. 261-303.
Linguística de Texto – termo utilizado pela primeira vez por Harald Weinrich, autor alemão que postula toda a Linguística ser necessariamente Linguística de Texto.
Em oposição à Linguística Estrutural, procura ir além dos limites da frase e reintroduzir, em seu escopo teórico, o sujeito e a situação de comunicação.
A Linguística Estrutural compreendia a língua como sistema e como código, com função puramente informativa.
Koch (1994) e Marcuschi (1998) enumeram diversos autores, principalmente nos EUA e na Europa, como os que constituíram a primeira geração que propunha o texto como unidade legítima dos estudos linguísticos e dava uma guinada no tratamento da língua.
Maldidier, Norman e Robin (na década de 70) apresentam um breve histórico da constituição do campo dos estudos do discurso na França, resumindo os interesses e os problemas das abordagens semiológicas (Barthes, Greimas), das pesquisas sobre pressuposições (Oswald Ducrot) e da elaboração do conceito de enunciação (Benveniste), para apresentarem então os interesses da Análise do Discurso de linha francesa.
Tudo isso se volta ao esforço de constituir uma Linguística para além dos limites da frase, a Linguística do Discurso (na década de 70).
Na constituição da Linguística de Texto não houve um desenvolvimento homogêneo. O surgimento aconteceu de forma independente e com propostas teóricas diversas.
Houve uma gradual ampliação do objeto de análise da Linguística Textual e um progressivo afastamento da influência teórico-metodológica da Linguística Estrutural.
1º MOMENTO: Análise transfrástica – parte-se da frase para o texto. Existência de fenômenos que não podiam ser explicados pelas teorias sintáticas e/ou semânticas: fenômeno da correferenciação.
Harweg (1968): texto é uma sequência pronominal ininterrupta.
Isenberg (1970): sequência coerente de enunciados.
Apenas o mecanismo de correferenciação não garante que esta se constitua em um texto. Além disso, também há a conexão entre uma sequência e outra sem a presença de um conector. Neste último caso, é necessário considerar o conhecimento intuitivo do falante. Tudo isso tornou-se em um forte motivo para elaboração das gramáticas textuais.
2º MOMENTO: Construção de gramáticas textuais
Nas primeiras propostas tentou-se construir o texto como objeto da Linguística.
O texto era tido como unidade teórica formalmente construída, em oposição ao discurso, unidade funcional, comunicativa e intersubjetivamente construída.
As propostas de gramáticas textuais surgiram com a finalidade de refletir sobre fenômenos linguísticos inexplicáveis por meio de uma gramática do enunciado.
Entre frase e texto não há uma continuidade, há uma diferença de ordem qualitativa e não quantitativa.
Lang (1972) – texto constitui um todo que é diferente da soma das partes.
O texto é a unidade linguística mais elevada.
Todo falante nativo possui um conhecimento acerca do que seja um texto.
Três capacidades textuais básicas (Charolles, 1989):
a) capacidade formativa: produzir, compreender e avaliar
b) capacidade transformativa: reformular, parafrasear, resumir, avaliar
c) capacidade qualificativa: tipificar e produzir tipo particular
Deveria ter as seguintes tarefas:
a) verificação do que faz com que um texto seja um texto
b) levantamento de critérios para a delimitação de textos
c) diferenciação de várias espécies de textos
Semelhante à gramática de frases proposta por Chomsky.
O conjunto de regras internalizadas pelo falante constitui sua competência textual.
O projeto falhou porque muitas questões não conseguiram ser contempladas (exemplo: como estabelecer todos e apenas todos os textos possíveis em uma determinada língua natural?).
Assim, em vez de dispensarem um tratamento formal e exaustivo ao objeto texto, os estudiosos começaram a elaborar uma teoria do texto.
3º MOMENTO: Teoria de texto
Propõe-se a investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso.
Tratamento dos textos no seu contexto pragmático (do texto ao contexto).
No final da década de setenta, a palavra de ordem não era mais gramática de texto, mas a noção de textualidade: “modo múltiplo de conexão ativado toda vez que ocorrem eventos comunicativos” (BEAUGRANDE).
PRINCÍPIOS DE TEXTUALIDADE: coesividade, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situacionalidade, intertextualidade.
O texto passa a ser visto como processo e não como produto.
A língua passa a ser vista como um sistema atual, em uso efetivo em contextos comunicativos, e não como um sistema virtual.
Análise e explicação da unidade texto em funcionamento em vez da análise e explicação da unidade texto formal, abstrata.
Linguística textual: disciplina de caráter multidisciplinar, dinâmica, funcional e processual, considerando a língua como não autônoma nem sob seu aspecto formal.
Em uma primeira fase (que engloba a análise transfrástica e a elaboração das gramáticas textuais) dos estudos sobre textos, acreditava-se que as propriedades definidoras de um texto estariam expressas principalmente na forma de organização do material linguístico. Existiriam textos (sequências linguísticas coerentes entre si) e não textos (sequências linguísticas incoerentes entre si).
Para Koch (1997), nessa primeira fase, os conceitos de texto variaram desde “unidade linguística (do sistema) superior à frase” até “complexo de proposições semânticas”.
Texto como uma estrutura acabada e pronta, como produto de uma competência linguística social e idealizada. Textos teriam como extensão mínima dois signos linguísticos.
O texto seria um complexo de proposições semânticas.
Para Leontév (1969): o texto não existe fora de sua produção ou de sua recepção.
Trata-se de tentar compreender o texto no seu próprio processo de planejamento, verbalização e construção.
Na segunda fase dos estudos (que abrange a elaboração de uma teoria do texto) a definição de texto deve levar em conta que:
a) a produção textual é uma atividade verbal, isto é, os falantes, ao produzirem um texto, estão praticando ações, atos de fala. Irão produzir no interlocutor determinado efeito. Em um texto, apesar de se realizarem diversos tipos de atos, há sempre um objetivo principal a ser atingido, para o qual concorrem todos os demais. “Macroato” de fala é aquele que estaria ordenando os demais.
b) A produção textual é uma atividade verbal consciente. Atividade intencional. Sujeito falante possui papel ativo. O sujeito sabe o que faz, como faz e com que propósitos faz.
c) a produção textual é uma atividade interacional. Os interlocutores estão envolvidos nos processos de construção e compreensão de um texto. Toda palavra procede de alguém e se dirige para alguém. É o produto da interação do locutor e do ouvinte. É uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros.
Sempre teremos à nossa disposição mais de uma definição de texto ou daquilo que se postula ser o objeto da Linguística Textual.
Texto como uma manifestação verbal constituída de elementos linguísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, permitindo aos parceiros a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais.
Linguística do Texto como o estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais.
A Linguística Textual trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas.
Construção dos sentidos no texto
A coerência diz respeito ao modo como os elementos subjacentes à superfície textual vêm a constituir, na mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos.
A coesão pode ser descrita como o fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual encontram-se interligados, por meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentido.
Uma discussão central na Linguística Textual é aquela sobre as relações entre texto e coerência. O sentido do texto não está no texto em si, mas depende de fatores de diversas ordens: linguísticos, cognitivos, socioculturais, interacionais.
Os estudos sobre o texto passaram a buscar “critérios de textualidade”. Texto enquanto unidade significativa global. Dizer se algo é ou não um texto depende dos usuários, do texto e da situação.
Charolles (década de oitenta) defende que a coerência de um texto é um “princípio de interpretabilidade”, ou seja, todos os textos são aceitáveis. Entretanto, um texto pode ser incoerente em determinada situação comunicativa.
Leitores ou destinatários podem emitir julgamentos sobre a coerência (sentido global) ou incoerência (falta de sentido global). Podem chegar à conclusão de que nem todos os textos são, em princípio, aceitáveis; existem textos sem sentido ou incoerentes. Podem fazer julgamentos sobre a coerência ou incoerência de uma certa produção textual, levando em consideração apenas os esquemas textuais a partir dos quais esta produção se encontra estruturada. Podem emitir julgamentos de coerência ou incoerência, considerando apenas partes do texto com o qual tiveram contato. A atribuição da qualidade de coerência ou incoerência a uma determinada produção textual não é unânime. A atitude do leitor ou destinatário ante uma determinada produção textual pode ser mais ou menos cooperativa. Podem não levar em consideração vários outros fatores, que podem contribuir para a construção de um sentido mais global.
Os princípios gerais aplicados não vêm especificamente de nossa capacidade de decodificação do sistema linguístico; mas de nossa inserção na sociedade como um todo. A coerência depende de fatores como: recursos linguísticos, conhecimento de mundo, papel social do leitor ou destinatário, etc.
A situação comunicativa tanto pode ser entendida em seu sentido estrito – contexto imediato da interação – como pode ser entendida em seu sentido mais amplo, ou seja, o contexto sócio-político-cultural.
O conhecimento da situação comunicativa mais ampla contribui para a focalização (perspectiva ou ponto de vista pelo qual as entidades evocadas no texto passam a ser vistas, que afetam não só aquilo que o produtor diz, mas também o que o leitor ou destinatário interpreta).
Ter conhecimento dos sujeitos envolvidos.
A situação comunicativa pode contribuir fortemente para a construção de um ou de mais de um sentido global para o texto.
Polifonia: jogo de vozes no discurso, o locutor incorpora em seu discurso asserções atribuídas a outros enunciadores.
Determinadas formas de conhecimento de mundo (como esquema e plano) contribuem para atribuição de sentido a textos.
Frame (conhecimento de senso comum sobre um conceito central, e seus componentes podem ser trazidos à memória sem uma ordem ou sequência).
Esquema (conjunto de conhecimentos ordenados numa progressão, de modo que se podem estabelecer hipóteses sobre o que será feito ou mencionado no universo textual).
Plano (saber agir em uma determinada situação para alcançar um determinado objetivo).
Inferências: frames, esquemas, planos geralmente estão implícitos e são inferidos. Conhecimento de mundo.
Todo texto assemelha-se a um iceberg. Compete, portanto, ao receptor ser capaz de atingir os diversos níveis de implícito, se quiser alcançar uma compreensão mais profunda do texto que ouve ou lê.
Partilha de conhecimentos com o produtor do texto.
Scripts são planos estabilizados, utilizados ou invocados com muita frequência para especificar os papéis dos participantes e as ações deles esperadas.
Estratégias cognitivas, em sentido restrito, são aquelas que consistem na execução de algum cálculo mental por parte dos interlocutores.
Intertextualidade: para o processamento cognitivo de um texto, se recorre ao conhecimento prévio de outros textos.
Todo texto é um objeto heterogêneo. Outros textos fazem parte de sua construção.
Intertextualidade de semelhanças: textos que reafirmam os intertextos retomados, reafirmam seus conteúdos proposicionais e ainda orientam o leitor para concluir de forma semelhante àquela do texto-fonte.
Orientação argumentativa: ao enunciarmos o que enunciamos, pretendemos orientar os sentidos dos enunciados na direção de determinadas conclusões e não de outras.
Intertextualidade das diferenças: representar o que foi dito para propor uma leitura diferente e/ou contrária.
O estabelecimento de relações intertextuais depende do conhecimento prévio e consciente dos textos-fontes por parte do leitor.
As relações entre textos podem ser explícitas (indica-se a fonte) ou implícitas (não se indica a fonte).
O recurso à intertextualidade explícita está estreitamente ligado às suas condições de possibilidade.
Um texto sempre será constituído de uma multiplicidade de significações, tudo dependendo de diversos fatores, entre eles, a intenção de quem produz e, da parte do leitor ou destinatário, a disponibilidade de aceitar aquilo que é dito.
A intencionalidade se refere ao modo como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados.
Não há uma necessária consciência, no momento da produção textual, da argumentatividade, constitutiva de toda a atividade verbal. No entanto, as formas linguísticas utilizadas revelam certas intenções.
Discurso: ação verbal dotada de intencionalidade.
A intencionalidade é construída linguisticamente. E essa construção pode ser observada por meio das formas do dizer e não só pelos conteúdos expressos nos textos.
A informatividade diz respeito ao grau de previsibilidade das informações que estarão presentes no texto, se essas são esperadas ou não, se são previsíveis ou não.
Pronominalização – referente textual.
Coesão referencial: aquela que em um componente da superfície do texto faz remissão a outro elemento do universo textual.
Remissão catafórica: remissão feita para frente no texto.
Remissão anafórica: remissão feita para trás no texto. É a mais comum.
Definitivização: um referente, ao ser introduzido por um artigo indefinido, somente pode ser retomado por um artigo definido.
A coesão referencial está a serviço dos objetivos do locutor no momento da produção de seu texto.
Sequenciação: o tema é mantido e renovado. Informação dada (tema). Informação nova (rema).
Sequenciação frástica: quando não há procedimentos de recorrência estrita.
Sequenciação parafrástica: quando há procedimentos de recorrência.
Tudo isso consiste em um resumo do que a área de Linguística Textual, no Brasil, conseguiu desenvolver teoricamente para propiciar análises sistemáticas de produções textuais sociocognitivamente contextualizadas.
Van Dijk (1997): tradição anglo-saxã de estudos sobre texto/discurso. O autor afirma que os dois volumes publicados por ele constituem a mais ampla e completa introdução aos estudos do discurso até os dias de hoje.
Os estudos sobre texto/discurso têm se aproximado bastante do que costumamos chamar de estudos cognitivos. Tendo a cognição como uma visão integrada das faculdades cognitivas do ser humano, onde linguagem, percepção, afeto, atenção, memória, estrutura cultural e outros componentes do sistema cognitivo encontram-se definitivamente inter-relacionados.
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