ATIVIDADE DE ANÁLISE DE TRECHOS DA OBRA "OS SERTÕES" (EUCLIDES DA CUNHA)

 Trechos de “Os Sertões” (Euclides da Cunha)

 

espinescente: que cria espinhos.

estepe: vasta planície ou região semidesértica.

flexuoso: sinuoso, ondulante.

urticante: que queima como urtiga.

vereda: trilha que marca o rumo a seguir.

TEXTO I (Da parte A TERRA)

 

Então, a travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe nua.

Nesta, ao menos, o viajante tem o desafogo de um horizonte largo e a perspectiva das planuras francas.

Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o na trama espinescente e não o atrai; repulsa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças, e desdobra-se-lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto desolado: árvore sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando-se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante…

(Euclides da Cunha. Os sertões. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 38.)

 

adormido: adormecido.

atonia: perda do tônus, das forças.

estadear: manifestar, demonstrar.

Hércules: personagem da mitologia caracterizado por ter uma força incomum.

neurastênico: fraco, irritado.

Quasímodo: personagem corcunda da obra O corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo.

remorado: adiado, retardado.

tabaréu: soldado inexperiente; pessoa inapta para fazer alguma coisa; caipira.

titã: personagem da mitologia; pessoa dotada de força extraordinária.

transmutação: ato ou efeito de transformar-se.

TEXTO II (Da parte O HOMEM)

 

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempenho, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.

É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gigante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. [...]

Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.

Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.

Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes, aclarado pelo olhar desassombrado e forte; [...] e da figura vulgar do tabaréu canhestro, reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias. (p. 92-93.)

 

tenaz: firme.

TEXTO III (Da parte A LUTA)

 

Decididamente era indispensável que a campanha de Canudos tivesse um objetivo superior à função estúpida e bem pouco gloriosa de destruir um povoado dos sertões. Havia um inimigo mais sério a combater, em guerra mais demorada e digna. Toda aquela campanha seria um crime inútil e bárbaro, se não se aproveitassem os caminhos abertos à artilharia para uma propaganda tenaz, contínua e persistente, visando trazer para o nosso tempo e incorporar à nossa existência aqueles rudes compatriotas retardatários. […]

Fechemos este livro.

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados. (p. 405 e 476.)

QUESTÕES PARA ANÁLISE DOS TEXTOS

 

1. De acordo com o texto I, como se caracteriza o lugar onde vive o sertanejo?

No sertão nordestino, a natureza mostra-se rude e pouco receptiva ao homem.

 

2. No texto II, contrapondo o sertanejo ao homem do litoral, o narrador descreve os aspectos contraditórios da constituição física e do comportamento do sertanejo.

 

a) Explicite essa contradição.

Por um lado, o sertanejo mostra-se fraco, feio, desengonçado, preguiçoso, cansado; por outro, mostra-se forte, impulsivo e valente.

b) Que personagens da literatura foram utilizadas para dar ideia de quanto a figura do sertanejo é contraditória?

Hércules-Quasímodo, para mostrar o lado fraco, e titã, para mostrar o lado forte.

c) Na oposição entre o homem do litoral e o sertanejo, interprete: Quem é o mais forte, segundo o ponto de vista do narrador? Justifique sua resposta.

É o sertanejo, pois, de acordo com o texto, o homem do litoral tem um raquitismo neurastênico, ao passo que o sertanejo parece ser fraco e indolente, mas surpreende pela vontade e pela força.

 

3. No 1º parágrafo do texto III, o autor critica a guerra em si e afirma que outra “guerra mais demorada e digna” deveria ser travada. Qual é essa guerra?

A que visasse trazer o sertanejo para a civilização, incorporá-lo à vida do país.

 

4. O relato de Euclides da Cunha revela influência da ciência da época e, ao mesmo tempo, o empenho em chegar à verdade dos fatos.

 

a) Identifique no texto II um trecho que comprove a influência de teorias raciais existentes no começo do século XX.

Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

 

b) Os textos I, II e III são trechos, respectivamente, das três partes que constituem a obra Os sertões: “A terra”, “O homem” e “A luta”. Por que se pode afirmar que a própria estrutura da obra revela uma concepção naturalista?

Porque a estrutura tem relação com o enfoque determinista do autor: o meio determina o homem e da interação entre homem e meio resulta a guerra.

 

c) Euclides não aceita a versão oficial dada pelo Exército: a de que Canudos era um foco monarquista. Na visão do autor, quais tinham sido as causas daquele fenômeno social?

A miséria, a ignorância, o fanatismo religioso (advindo das duas primeiras) e a marginalização política.

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